sexta-feira, 14 de agosto de 2015

O que se deve, realmente, saber sobre vinhos

Muita gente se dedica a estudar o vinho, não apenas pelo prazer da bebida, como por um exercício de refinamento: afinal, vinho exige estudo, conhecimento, experiência e, por que não, a convivência com gente que divide o mesmo tipo de interesse. Às vezes há nessa busca um certo exagero, que resulta num pouco de pedantismo.

Monopolizar a conversa, pontificando a sabedoria enológica, ou virar uma pessoa monotemática é tão deselegante quanto falar apenas de futebol, ainda mais na presença de senhoras ou qualquer tipo de gente com menor afinidade com o assunto.

O que é preciso, realmente, saber sobre vinhos? Há dois ensinamentos muito simples para nos fazer aproveitar o melhor da bebida, e suficientes para dar conhecimento geral sobre eles.

Primeiro: hoje os vinhos do Novo Mundo podem ser considerados tão bons quantos os vinhos do Velho Mundo. Depois de uma praga que destruiu os vinhatais, muitas vinhas célebres da Europa hoje são feitas na realidade com parreiras repatriadas de países como o Chile, que tinham importado matrizes europeias. O aperfeiçoamento técnico também contribuiu bastante para a "globalização" dos vinhos de qualidade, compensando diferenças de solo e clima.

Isso faz com que vinhos dos Estados Unidos, Chile, Nova Zelândia, África do Sul, Argentina, Austrália e mesmo do Brasil se tornem tão bons quanto grandes vinhos italianos, franceses, portugueses e espanhóis, de mais longa e célebre tradição. Essa mudança de paradigma é bem mostrada no filme O Julgamento de Paris, que reconta de forma leve e agradável a história da célebre degustação às cegas que derrubou antigos preconceitos, ainda na década de 1970.

A desgutação de O Julgamento de Paris: quebra de antigos paradigmas

A segunda informação essencial sobre o vinho é que ele está sempre intimamente ligado ao lugar de onde procede: em geral, sua personalidade corresponde ao lugar de onde vem. Por isso, o ideal é se beber sempre o vinho do país onde se está. E, no caso de países com regiões de características marcantes, é importante beber o vinho do lugar. Cada vinho carrega a personalidade não somente do país, como as nuances de cada terroir.

Essa é uma sabedoria que todo nativo da Europa faz questão de preservar. Na Itália, por exemplo, o garçon do restaurante certamente se ofenderá com o cliente que pedir um vinho que não seja local. Na Toscana, bebe-se o vinho toscano; na Sicília, o vinho siciliano; no Piemonte, o piemontês; e assim por diante. Se na Toscana você estiver em Montepulciano, por exemplo, o vinho é um Montepulciano: não há por que mudar, e você terá a experiência completa daquele paese.

É fundamental observar como os vinhos correspondem ao clima, à temperatura e às pessoas enraizadas ao lugar. O vinho italiano, por exemplo, costuma ser alegre, ensolarado, com muita fruta, assim como o país. Mesmo vinhos mais encorpados, para serem bebidos acompanhando carne de caça, por exemplo, preservam as características nacionais. A diferença entre um vinho italiano mais leve e um mais pesado, como os Barolo, é apenas de intensidade: do cantar do gondoleiro, passa a uma ópera de Verdi.

Na Espanha, temos vinhos fortes, encorpados, pesados. Bem próprios do país dramático das touradas, dos poemas trágicos de Garcia Lorca, da guerra civil espanhola. Da mesma forma, pela personalidade, se pode reconhecer  o vinho francês, o português e  o de outros países. E, dentro de cada país, sua região. Há uma esplêndida harmonia entre a terra, seus frutos, o homem e aquilo que cultivou, ao modo de sua cultura e civilização.

Quando bebemos o vinho do local, ele sempre nos lembrará daquela experiência. O vinho evoca o lugar de onde veio, e essa sensação é ainda mais forte quando conhecemos o vinho e o lugar de onde procede. Nesse aspecto, os vinhos do Velho Continente, que têm mais história, cultura mais arraigada, e são envolvidos por seu universo centenário, são muito mais ricos. Não tecnicamente, mas em associações, que muitas vezes são puramente afetivas.

Vinhatal do Chianti, na Toscana: um vinho sempre lembra
e traz a personalidade da região de onde veio
Eu, por exemplo, sou descendente de italianos por parte de mãe; tendo a gostar de toda comida italiana e tenho mais afinidade com os vinhos da Itália também, por costume de família e minhas experiências.

Quando bebo um vinho toscano, imediatamente me vem aos sentidos, à memória, e ao coração, os campos verdes da Toscana, com seus vinhedos entre as colinas incrustradas de cidades medievais. Ele traz de novo para mim a Itália, em evocações como um piquenique entre girassóis e homens conversando diante da mura de São Geminiano, numa tarde sem pressa, dizendo: "nada mal!" Dessa forma, o vinho nos traz a riqueza da vida.

Eu pertenço ao Terceira Quinta, um grupo de confrades que se reúne há quinze anos, como o nome diz, na terceira quinta-feira de todo mês. Provamos a cada reunião pelo menos oito garrafas. Nesse período, portanto, testamos cerca de 1.500 vinhos diferentes, na maior parte das vezes em degustações às cegas. Claro, com isso muita gente do grupo aprendeu muito sobre vinho, conhece produtores e mesmo as safras. Outros preferem não se especializar tanto.

Eu, em particular, preferi manter a minha mente longe do conhecimento enciclopédico. Descarrego a informação da noite para me tornar novamente uma página em branco. Nunca tiro uma rolha achando que conheço o que vai dentro. Para mim, o vinho é como uma mulher. Quando abrimos a garrafa, mesmo de algo supostamente conhecido, tem de ser sempre como se fosse a primeira vez.
Platão, bom conselheiro para vinhos: "Só sei que nada sei"

Essa atitude tem suas vantagens. Mesmo de vinhos conhecidos, sempre se tem uma experiência diferente, com alta intensidade. Cada garrafa é mesmo única, seja pelo estado de conservação do vinho como pelo lugar onde estamos, a comida que acompanha a bebida e mesmo o nosso estado de espírito no momento.

Ao beber, o conoisseur tende a estar condicionado. Para mim, esse é o desafio do verdadeiro amante do vinho: partir sempre do zero para ter uma nova experiência. Ninguém entende de vinho o bastante para dizer que sabe tudo sobre o assunto. Nesse caso, como em praticamente todos os casos, é melhor ser como Platão, o filósofo grego que dizia: "só sei que nada sei". Dessa forma, aprendemos mais. E nunca deixamos de nos maravilhar com o que a vida proporciona.

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