segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O Chianti cresce

Sergio Zingarelli, herdeiro de uma das mais tradicionais vinherias do Chianti, na Itália, promoveu nos últimos anos uma grandes transformação - no seu próprio negócio e no de seus vizinhos.

Num passado até recente, os Zingarelli apostaram nos chamados "Supertoscanos": vinhos com cortes de uvas estrangeiras, que visavam sobretudo a produção em massa para a exportação, principalmente para o mercado americano, que consome vinho pela uva, e não pela procedência. Todos os anos, vende pelo mundo cerca de 4 milhões de garrafas, das quais 1 milhão de seu vinho de mesa mais conhecido, o Rocca Delle Macìe.

 Os tempos, porém, estão mudando - e ele se tornou um dos principais renovadores do vinho italiano.

Primeiro, Zingarelli contratou um novo enólogo: Lorenzo Landi. E tratou de investir nas origens, o que significa utilizar novamente em suas garrafas predominantemente a San Giovese, uva autóctone da Toscana. "A qualidade era boa, mas tínhamos vontade de fazer algo mais", diz ele.


Zingarelli, o "signote Chianti": "vontade de fazer mais"
Desde o início dos anos 2000, Zingarelli passou a substituir os vinhedos plantados por seu pai em meados da década de 1970 por San Giovese, "uma uva difícil", segundo diz, porque demanda muita luz e uma técnica diferente, o que em décadas passadas, segundo ele, era "improponível".

Agora, o resultado desse trabalho começa a aparecer. Zingarelli apresentou recentemente seus novos vinhos numa degustação para jornalistas organizado pela importadora Decanter, em São Paulo. Sua proposta é retomar a tradição da uva san Giovese, aumentar a qualidade dos vinhos, sem perder o que a Rocca Delle Macìe possuía, que é sua capacidade de alta produção, a manutenção de um padrão de qualidade, venda e distribuição.

Os novos vinhos de Zingarelli levam mais San Giovese, sem tanta necessidade de uvas complementares. Foi uma certa surpresa: os Rocca delle Macìe, em especial, que nos acostumamos a ver nos supermercado, ganharam força. Os vinhos melhoraram em qualidade. E se tornaram mais caros.

A missão de Zingarelli agora é mostrar que vale a pena pagar mais por rótulos de sua casa. Alguns deles, como o que leva seu próprio nome, já vêm recebendo bom tratamento da crítica ao redor do mundo. 


O rótulo gran selezione: Chianti especial
O que Zingarelli faz com suas fattorias, está fazendo também por todo o Chianti, região conhecida pelos seus excelentes vinhos de mesa, onde estão também produtores e marcas entre as melhores da Itália, sem no entanto receber a mesma denominação. Ele é o terceiro presidente da história do Conzorcio Vino Chianti Classico, mais antiga associação de produtores de vinho do mundo, fundada em 1924. E, à frente da associação, vem introduzidno mudanças inteligentes para a valorização de todo o Chianti.

Designação genérica de uma área vinícola entre Siena e Florença, na Toscana, o Chianti é regulado por normas que vêm mudando recentemente (se considerarmos o vinho como uma tradição centenária). Até 1996, era obrigatório colocar uva branca no Chianti Classico. Desde então ele é 100% tinto. Para ser considerado Chianti, além de produzido na região, o vinho deve ter pelos menos 80% de uva San Giovese.


Tanto o Chianti quanto o Chianti Classico sempre foram conhecidos como vinhos de mesa: um produto mais barato, para acompanhar a refeição (chamado por alguns de "vinho gastronômico"). Recentemente, por meio da associação de produtores, Zingarelli promoveu a criação de uma terceira categoria, que permite a entrada de cortes diversos: Gran Selezione.

Para entrar nessa lista, é preciso passar pelo crivo de uma comissão constituída pela associação. Isso faz com que grandes e célebres produtores que estão na Toscana, especialmente no Chianti, como Antinori, possam ser considerados também "Chianti". O que valoriza toda a categoria.

Porém, é ainda na tradição que Zingarelli ainda aposta mais. Não há uva tão italiana quanto a san giovese, da qual se fazem vinhosbem estruturados, ensolarados, frutados, que nos remetem a um piquenique ao sol entre girassóis nos campos verdes da Toscana, pontilhados pelas colinas onde espairecem antigas e charmosas cidades medievais.

É lá, onde Zingarelli fomenta também o turismo, com relais onde se pode beber o vinho, respirar o ar e inebriar-se com o savoir vivre à italiana, que ele sabe estarem suas raízes. E de onde se espalha o sabor da Itália para o mundo.

Para quem quiser experimentar, aqui vai uma brevíssima ficha com alguns comentários sobre os novos vinhos do Rocca delle Macìe (que se pronuncia "roca dele machíe"):

1) Vermentino Occhio a Vento 2014. Vinho branco DOC da Maremma, influenciado pela terra pantanosa e a proximdade do mar, cor palha, levemente esverdeado, a 99,20 reais. Um ótimo vinho de mesa, complexo, aromático, a bom preço.


2) Morellino di Scansano Campomaccione 2014. Com 90% de San Giovese, 5% de merlot e 55 de cabernet sauvignon, é muito frutado e também amadeirado. 119,20 reais.

3) Chianti Classico família Zingarelli 2013. 95% San Giovese e 5% Merlot ("para dar ao vinho um pouco de gentileza", diz Zingarelli). Foi à final dos 3 Bicchieri do gambero Rosso. Surpreende, mas para quem conhecia o rótulo mais comercial da Rocca delle macíe, é difícil deixar de lado o preconceito e pagar o preço atual de uma garrafa: 131,50 reais.

4) Chianti Classico Riserva 2011. Feito em Castellini in Chianti, com 5% de cabernet sauvignon e 5% de merlot. 212 reais.

5) Chianti Classico Sant'Alfonso 2012. Este vinho tem uma boa história. O pai de Sergio comprou uma fatorria com uma área de 120 hectares, com solo argiloso, e mandou plantar as as vinhas. O enólogo da família, na época, disse que slo argiloso não servia para a viticultura. O velho Zingarelli, então, demitiu o enólogo e colocou outro para fazer o serviço. Criaram ali um cru, 100% san giovese, curtido em barris médios de carvalho francês. o resultado é um Chianit Classico com mais volume, mais estrutura e um tom mais pesado e ferroso. O melhor e degustá-lo no local, onde há um belo relais com nove quartos, uma das maravilhas da Toscana. Preço: 164,70.


6) Chianti Classico Riserva di Fizzano 2010. Com 85% san giovese, 10% cabernet sauvignon e 55 merlot, é um vinho com boa textura e muita acidez, que ainda que precisa e pode envelhecer. Vem da célebre colina de Fizzano, borgo perto de Volterra e San Gimigniano, uma das mais belas propriedades da Toscana e de toda a Itália, que a família adquiriu em 1984. Ali, eles abriram um relais que hoje tem 22 apartamentos e, claro, um restaurante. Da construção centenária se avistam os vinhedos, os olivais e um bosque, onde se pode passar os melhores dias de toda a vida. A garrafa custa 236,50 reais


O relais de Fizzano: o melhor que a vida pode proporcionar


7) Ser Gioveto, 2010. Homenagem do pai, que deu ao vinho nome do filho, é o supertoscano mais vendido no Brasil - fenômeno particular, que não se repete no resto do mundo, muito em razão do fato de aqui ser vendido a preços relativamente baixos para o seu padrão (236,50 reais). Com 80% de sangiovese, 20% de cabernet sauvignon e merlot, e 28.000 garrafas produzidas, é a primeira safra que leva a mão de Lorenzo Landi com esse rótulo.

8) Roccato 2009. Um supertoscano, com 50% sangiovese e 50% merlot. Não é um Chianti, mas fez parte da mostra: um vinho bem estruturado, que com a presença do cabernet é mais perfumado e rascante na língua.

Conclusão? Ah, a Itália...






quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Jamón bellota: a Espanha que desmancha na boca

A peça de jamón: com um vestido de Dior
Assim como os vinhateiros, os produtores do jámon espanhol mantém sua atividade como uma tradição secular, detalhista e sofisticada, da qual vem a fama do presunto ibérico. Vejamos o caso de Josep Ramón Llorens.

Simpático, falante e cioso de seu negócio, ele se dedica na Espanha a uma especialidade ainda maior: o chamado "jamón bellota". Utiliza porcos abatidos com dezoito meses, que durante três comem apenas bellota: a semente do carvalho, que é um tipo de castanha.


O resultado, que Ramón apresentou recentemente a um grupo seleto de jornalistas no restaurante Clos, em São Paulo, é um jamón diferente. Primeiro, na cor. A concentração de belllota na ração do animal faz que o o produto espalhe mais a gordura na carne, que se torna mais rosada, suave e macia.

Em lugar do jamón convencional, que às vezes se mastiga com dificuldade, o jamón ibérico de Llores quase desmancha na boca. Ele mesmo ensina como se deve comer o jamón: "primeiro chupado, depois mastigado", como uma uva. O sabor é aveludado, acastanhado, mais suave que o do jamón comum, e mesmo que o Pata Negra, o clássico e mais conhecidos dos jamóns espanhóis.

Os porcos criados por proprietários sob a supervisão da família de Llores são muito particulares. São todos de raça ibérica pura, pretos, ou cruzados com Durco-Jerseyem, numa proporção de 25%. Depois de queimada, cortada, salgada e colocada em repouso, processo de curtimento que leva quatro meses, a carne é pendurada  em adegas mantidas a níveis constantes de temperatura e umidade.

Llorens, à direita: tradição familiar
As janelas são abertas durante o dia e fechadas à noite, pelo período de dez a doze meses. No final, são ricamente embaladas em sacos vermelhos e depois caixas da mesma cor, que fariam jus a um paletó Armani ou um vestido Dior.

Nem todas as "safras" são válidas para venda. Quando a bellota não é suficiente, ou por qualquer razão se julga que o ano não foi ideal, não há produção. Agora, começa a ser vendida a safra 2010. Chegou à Casa Flora, o importador, um lote de 500 peças. O maior da exportação de Llorens.

Conhecer e manipular o jamón é uma arte. Na adega, a peça costuma recobrir-se de fungos, que ajudam a criar o seu inconfundível bouquet. Cada peça é testada com um furador de osso, que traz de dentro o seu perfume, antes de ser aprovada.

Colocada no garrote, a perna tem de ser cortada circularmente no jarrete, para separar a carne e gordura do pé. Llores recomenda o uso de duas facas: uma mais curta e lisa, para retirar a gordura superior. Outra mais comprida, serrilhada, para fatiar a carne.
A peça: a gordura volta depois como capa para a conservação 

A gordura nunca é jogada fora. Depois de cortada a peça, é recolocada sobre o jamón, pra conservá-lo, como uma manta.

Acompanhamento? Este jamón foi servido com vinho branco Gramona. Porém, vai bem com qualquer vinho tinto. Dê preferência, claro, aos espanhóis.