quarta-feira, 29 de junho de 2016

O Brunello e o espírito de Montalcino



A região de Montalcino é um quadrilátero imaginário ao sul de Siena e da região do Chianti, uma área um pouco mais seca, sujeita aos ventos de sudeste, que favorecem a produção de vinhos com a casta sangiovese, a mais tradicional da Itália.

Ali, como aconteceu em outras áreas, a começar pelo próprio Chianti, e na vizinha Montepulciano, os produtores se reuniram em um "conzorcio" para controlar a qualidade e divulgar o talento do produto da região, tão célebre quanto os campos ensolarados de clima ameno, entre pradarias e castelos medievais, que seu vinho evoca.

Na segunda-feira, dia 27, uma degustação com 880 taças de cristal para servir 22 vinhos diferentes a 40 formadores de opinião encheu o salão do restaurante Cantaloup, em São Paulo. Diante da plateia e do mar de cristal, um jovem executivo italiano, Giacomo Pondini, num terno bem cortado, que não dispensou colete, cuidadosamente combinado com um par de tênis brancos, dissertou sobre a excelência dos vinhos no painel, onde estavam uma série de produtores menores da região, patrocinadores do evento.

Menores, nesse caso, não é um depreciativo. Uma das belezas do mundo do vinho é justamente descobrir e explorar novos terroirs, um trabalho de garimpo onde às vezes podemos encontrar, quase por acaso, o melhor vinho que bebemos em nossas vidas. Ele bem pode estar, justamente, naquela pequena vinícola, onde cada barrica se transforma em uma pérola. Sem os maiores e mais conhecidos produtores, especialmente do basilar criador dos Brunello, Biondi-Santi, a mostra de Montalcino foi uma verdadeira garimpagem, difícil de ser realizada de outra forma.

Foram onze taças de Rosso, a versão de mesa dos vinhos de Montalcino, que fica menos tempo em maturação nas barricas de carvalho eslovaco ou francês- e menos ainda dentro das garrafas, até a venda. São vinhos mais prontos para beber, mais baratos e comercialmente mais difundidos. Todos leves, frutados, de padrão uniforme, que garante sempre um ótimo vinho com sabor de Itália em qualquer refeição - e a bom preço.

O segundo flight, com os mesmos produtores, trouxe as garrafas mais nobres - o vinho mais amadurecido, mais trabalhado, que procura tirar o máximo da sangiovese e da própria alma italiana, ali encontrada no seu esplendor: o chamado "sangionvese grosso", enriquecido pelas condições únicas do sul da Toscana. Ou Brunello, como é mais conhecido.

No segundo painel, foi fácil provar que os Brunello estão um degrau acima dos Rosso: de forma homogênea em toda a amostra, revelou-se um vinho um pouco menos frutado, porém com mais corpo e persistência. O maior teor alcoólico, de 14 a 15 graus, serve para contrabalançar a maior presença de tanino e madeira, que deixa mais gosto, pelo maior tempo embarricado.

Todos os vinhos que provamos eram da mesma safra: 2014 (os Rosso) e 2011 (os Brunello), que ainda estão por chegar à importadora para venda a clientes. Como escolher entre os rótulos, cada qual produzido por uma azienda diferente, de diferentes lugares da região ao redor da cidade medieval de Montalcino: Altesino, Barbi, Belpoggio, Brunelli, Camigliano, Carpazo Col D'Orcia, La Magia, La Pallazetta, Pian delle Querci, Sassodissole?

Difícil. Todos os vinhos mantém um alto padrão de qualidade e as mesmas características, da cor (mais clara, própria da sangiovese) ao bouquet rico em aromas de fruta e sabor com personalidade própria, que traz para mim uma curiosa nota de... banana. Alguns são um pouco mais ácidos, um pouco metálicos, mas as diferenças são muitos sutis.

Para mim, a grata surpresa, que eu destacaria, não foi um Brunello, e sim um belo Rosso que me deu sincera vontade de comprar. O Rosso da La Magia, que se pronuncia acentuando o "ma", talvez uma referência ao casarão de pedra que em outros tempos foi pensão (à francesa, "maison"), é feito desde os anos 1970 no paese de Sant' Angelo, a este de Montalcino, com uma área de 15 hectares. Curiosamente, há 40 anos é dirigida por uma família alemã, apaixonada pela Itália, que lá se instalou e já se encontra na segunda geração.

O Rosso La Magia é leve e ao mesmo tempo complexo, alegre, ensolarado. É um vinho de mesa, mais ligeiro, mas ao mesmo tempo tão profuso de sabores que me deixou ainda mais feliz que ao provar os Brunello, ainda fechados, ocultando mais suas qualidades, em função da juventude. Nos faz pousar num piquenique na relva, acompanhado de queijo, pão italiano e fruta; quando estou feliz assim, como acontece com todos aqueles que têm um pouco de sangue italiano, me dá vontade de cantar. Ainda não tem importador no Brasil. Uma lástima que alguém certamente deveria, em breve, corrigir.


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